Causa Animal


O Toby do Diego

Toby após ser adotado por Diego - Arquivo pessoal
Meadros de uma vida
Eram seis horas da manhã e o termômetro externo marcava nove graus de temperatura. Enquanto a geada pintava de branco a pastagem, no interior da casa de campo o restante do grupo ainda dormia. Observando a boiada da varanda, estava eu e o cachorro, companheiros de boas caminhadas.
Quase que instintivamente passamos a cerca de madeira e seguimos em frente, sem destino e direção. Atravessamos a nascente, a matinha, o bosque de Araucárias e entramos na trilha cortando o eucaliptal. No céu, meia lua representava a lembrança de frias noites, de muitas que meu pequeno companheiro deve ter atravessado em vida, boa parte dela abandonado na rua.
Seus olhos ainda guardavam o semblante do sofrimento, e suas pernas dores de um provável atropelamento. Lembro-me como se fosse hoje, uma tarde de sábado ele apareceu em frente ao velho portão, como enviado por alguém. Eu estava saindo para uma viagem, voltaria apenas no dia seguinte.
Ali, na frente do portão, ele permaneceu durante vinte e quatro horas. Quando do meu retorno, ele havia saído por um tempo, retornando algumas horas depois. A fome, a sede e a carência atordoavam seus pensamentos. Chamei o pequeno para dentro e a alegria tomou conta do espaço e tempo, rodeando minhas pernas e banhado por lambidas. Um banho, o jantar e um novo lar, além de um nome.
No início era bravo, mas com o tempo foi perdendo o tom bravio. Seu latido ecoava por toda a vizinhança, uma mescla de felicidade e amor. Tinha dom com o mato e o gado, patas rápidas que subiam e desciam morro, além de força para caminhar sobre o folhedo de grandes pinheiros.
Aliás, caminho não mais havia, conduzíamos nossos passos pelo infinito da verde encosta, na musicalidade de alegres assobios e cantos de coloridos passarinhos. Lendas de assombração já não o assustavam, pois tinha superado seu pior fantasma – a sina de viver abandonado, chutado como um bicho errante.
Todos os animais do mundo levam a esperança dos sonhos e a pureza da inocência, ele carregava vivos sonhos concretizados no último ano. Eu apenas o observava, com o pensamento longe, acreditando que tinha me tornado uma pessoa melhor, não pelo gesto da adoção, mas pela rica convivência. Pra ele não importava, apenas vivia em paz.
Com o aumento da inclinação da trilha, ele demonstrou cansaço. Sentou próximo a uma pequena muda do pinheiral. Segurei-o no colo e iniciamos a volta, mais uma vez seu olhar exalava agradecimento. Cruzamos a mata e descemos pelo lado direito da encosta, no leito seco de um pequeno córrego. Passamos a cerca e alcançamos a varanda da bela casa de campo, onde os outros nos esperavam para o café da manhã.
Na baixada, as águas do rio Cachoeira contornavam seus meandros, frias como o coração da pessoa que abandonou àquele cão. Para ele isso não importava mais. Novos tempos, nova vida.
Ele não era um mártir, muito menos um cão de guarda. Também não era mais um cão de rua. Acho que era apenas um cão... Meu companheiro!
Observação: Esta crônica é um manifesto contra o grave problema do abandono de cães e gatos nas ruas. Que a adoção e a conscientização se multipliquem em gestos de amor e de cuidados, refletindo no bem-estar animal e na posse responsável.
DA SILVA, D.T.L. Meandros de uma vida. Revista Eletrônica Bragantina On Line. Joanópolis, n.36, p.-, out. 2014.
Link: https://www.scribd.com/doc/243272002/Revista-Eletronica-Bragantina-On-Line-Outubro-2014
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